Entrevista com Márcia Mesquita sobre o mercado de maquiagem e influenciadoras

Entrevista com Márcia Mesquita sobre o mercado de maquiagem e influenciadoras

Esse é um projeto de entrevistas feitas com profissionais e pesquisadores de comunicação, consumo e dados. São sete perguntas para entender temas relevantes e atuais do mercado.

Conheça a entrevistada

Márcia Mesquita é doutora e mestre em Antropologia (UFF), com pós em Moda e Criação (Faculdade Santa Marcelina) e graduação em Comunicação (PUC-Rio). É professora de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Design, Moda e Comunicação e pesquisadora membro do Núcleo de Estudos da Modernidade (Nemo-UFF). Tem mais de 10 anos de experiência como pesquisadora, com foco em comportamento de consumo, tendências e uso de plataformas digitais. Também possui vasta experiência na área de Comunicação, como jornalista, produtora de moda, assessora de imprensa e analista de comunicação, atendendo clientes dos setores varejista, moda, construção civil e eventos.

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7 perguntas para Márcia Mesquita

1. Em meio a tantos creators e influencers no mercado de beleza, quais são as principais tendências e novos comportamentos que você destacaria nos últimos anos (e que mudaram o “jogo”)?

Venho observando há alguns anos uma polarização (que a gente vê em outros campos da vida) no mercado de beleza.

Por um lado, um grupo que se interessa por produtos mais naturais, ecologicamente mais conscientes, procurando reduzir o consumo. E, por outro lado, um hiperconsumo e o costume de possuir e usar (são coisas diferentes) muitos produtos.

Hábitos que são muito propagados em tipos de vídeos como “get ready with me”, “minha rotina de produtos”, tour pelo armário, pelas gavetas, etc. Mas ainda percebo que as pessoas com consumo mais ecológico são minoria – mas pessoalmente espero que o hiperconsumo “saia de moda”.

Outra polarização que já aparece há alguns anos é, em relação às estéticas: uma busca por maquiagens com aparências mais “naturais” ou invisível e, por outro lado, a outra estética é propositalmente artificial (cílios imensos, unhas imensas, etc). O mercado tenta categorizar por geração e acaba escapando esses detalhes, como dizer que a geração z é mais consciente ecologicamente. Mas é uma generalização, depende de contextos de classe, idade, gênero, local, entre outros fatores. E essas polaridades coexistem.

2. Como você vê a maturidade das influenciadoras e das consumidoras especialistas hoje? Estamos caminhando para ter ainda mais especialização, ou o caminho não é esse?

Algumas consumidoras especialistas do passado se tornaram as grandes influenciadoras de hoje.

Mas são grupos diferentes, nem toda consumidora que conhece muito os produtos que gosta vai se tornar influenciadora profissional. Enfim, dito isto, quanto mais as pessoas têm acesso a produtos e a informações sobre eles, mais os consumidores vão ficando exigentes. Tanto as marcas quanto os produtores de conteúdo precisam ficar atentos a isso.

O tipo de consumidora de maquiagem que pesquisei não é facilmente “convencida” por qualquer hype. Na época que fiz a pesquisa, não havia ainda TikTok, mas já existiam as “febres” da época. Esses produtos que viralizam até podem despertar uma curiosidade momentânea. Para o tipo de consumidora que pesquisei, existe uma fidelidade relativa para produtos que elas consideram mais importantes, que são os de pele. Elas até testam novidades, mas quando encontram os produtos que gostam, costumam ser fiéis. Já os produtos mais “fantasia”, como batom, lápis, sombra, etc; as pessoas se deixam levar mais por modismos, mas também têm produtos fiéis, como o batom preferido que sempre recompra.

Por fim, uma coisa curiosa que o TikTok trouxe é uma facilidade de gerar virais requentados, que são técnicas de maquiagem muito antigas que influenciadores postam com nomes diferentes, como se fosse uma nova moda.

E em seguida marcas lançam produtos usados nessas “novas técnicas”. Ou seja, é uma estratégia de marketing que as pessoas acham que é espontânea. Funciona bem com as pessoas mais novas (aí sim, gen z (geração Z) mas não pela geração, mas pela idade mesmo) porque boa parte delas não tem repertório ainda para identificar técnicas mais do que batidas.

3. O seu doutorado é uma “Etnografia sobre consumidoras de maquiagem brasileiras, trazendo reflexões sobre consumidores especialistas, conteúdos de plataformas digitais, sociabilidades, relações de gênero e discussões sobre o impacto de novas tecnologias nos padrões de beleza”.

Quais os principais aprendizados que você teve com esse trabalho?

Acredito que o maior aprendizado é o que a Antropologia me ensinou: que a forma como compreendemos o mundo e classificamos as coisas não está dada. Que devemos estranhar aquilo que nos é corriqueiro, desnaturalizar nossa visão de mundo para poder compreender de fato o outro. Em outras palavras: o que eu acho de uma coisa não é o mesmo para os outros. Alguém pode ler isso pensar: “mas é óbvio!”, mas na prática acabamos esquecendo desse “óbvio”, principalmente em pesquisas sobre consumo e de usuários.

No meu campo, por exemplo, muito se falava de “maquiagem natural”, por exemplo. Mas o que é esse “natural”? Para aquela consumidora que falei antes, que gosta de uma estética mais discreta, “natural” significa um tipo de produto, técnica, etc. E para a que gosta de maquiagem mais aparente, significa outros tipos de produtos, texturas, etc.

Sobre os meus resultados da pesquisa, acabei abrindo vários caminhos para entender o fenômeno do consumo de maquiagem e foi um desafio até mesmo para recortar e focar.

Mas acho que uma das coisas mais interessantes é a importância do rosto para a sociedade contemporânea e a percepção que temos dele, que é impactada pela produção e reprodução de imagens que circulam dentro e fora da Internet.

4. Em seu Linkedin, você comentou sobre “o costume do mercado tem sido dividir os consumidores só pela categoria da geração, o que acaba generalizando alguns comportamentos”.  Pode contar mais a sua visão mais sobre o assunto?

Eu sempre fico meio incomodada com essas classificações de comportamentos por gerações porque costumam ser grandes generalizações. Só a geração não é suficiente pra explicar comportamentos. Ela vai influenciar em alguns pontos, mas vai ter muitas diferenças também.

E então as empresas divulgam “tendências” baseadas em generalizações, que podem gerar investimentos em caminhos errados. Digo isso não apenas porque fui “mordida” pelo bichinho das ciências sociais, mas porque eu tenho contato direto com a tal “genZ”. Sou professora universitária e todo semestre convivo com mais de 100 alunos.

Existem várias características que vão influenciar o consumo como classe social, religião, raça, gênero, o que pode tornar um grupo de pessoas da mesma faixa etária muito diferentes.

5. Existem algumas marcas e influenciadores criando sem filtros, ou trends que retiram os filtros das publicações. Qual sua opinião sobre esse movimento ligado à maquiagem?

Acredito que essa questão de abolir a mediação do filtro na construção da imagem é um amadurecimento no uso de tecnologias, no sentido de que as pessoas começaram a se dar conta que o uso deles pode não ser meramente recreativo e ter impacto na percepção que temos do nosso próprio rosto.

Mas também precisamos seguir nesse caminho reflexivo lembrando que qualquer imagem vai ter uma mediação tecnológica e do olhar de quem a produz porque ela não é a coisa em si, por mais realista que seja.

Ao mesmo tempo, o artificial não é errado e o “natural” o certo, se não fica um discurso moralista.

Tem gente que faz um rosto artificial de propósito, como uma experimentação, uma expressão artística.

6. Você também tem acompanhado o fenômeno da desinfluência? Pessoas que “des-recomendam” produtos e artigos, especialmente no TikTok? Como vê isso?

Esse é mais um caso de “naming” (criação de nomes) do TikTok que mencionei lá em cima porque isso sempre existiu desde que a internet doméstica chegou. Desde o início, a Internet é um lugar onde pessoas que gostam muito de um tipo de produto se reúnem para debater sobre ele e trocar impressões.

Como era algo amador, feito por pessoas comuns, existiam resenhas positivas e negativas.

E assim foi, inclusive com vídeos de youtubers não gostando de algum produto, etc. Mas no TikTok existe esse costume de fazer um “rebranding” que já existem e o público majoritariamente jovem, sem muitas referências, transforma isso numa tendência.

Pior ainda quando empresas de pesquisa de tendência tratam delas como tal e não analisam pelo o que são.

7. Que marcas de beleza/maquiagem e criadoras de conteúdo têm chamado a sua atenção hoje em dia? (novembro/2023)

Vou focar em Brasil porque é onde costumo olhar mais.

Ao contrário do mercado internacional, as linhas de maquiagem de blogueiras aqui (no Brasil) fazem muito sucesso. Bruna Tavares, como sempre, com volume alto de lançamentos e de olho em inovações de fora. Mari Maria também tem produtos interessantes. A volta da Contém 1g também traz produtos interessantes e repagina clássicos da marca antiga. Marcas com proposta mais natural, como a Care Beauty e Simple Organic (que têm mais skincare que maquiagem). A Bauny é uma marca mais popular e barata que foi lançada recentemente, bastante falada por influencers.

Criadoras de conteúdo eu costumo olhar mais para as pequenas e médias.

Tem uma relativamente nova, a Hellen Shawanny , que vem crescendo bastante, participando de eventos. A Jessica Freitas do Coisas de Jessica, que tem anos de estrada e também é digamos “média”. Gosto de ver esse tipo de influenciadora porque tem o conteúdo mais orgânico ainda, apesar dos publis.

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Profissional de Digital Business e Business Intelligence, com foco em Consumer Insights, Trends e Cultural Research. Pesquisa e trabalha criando estratégias baseadas em dados online e offline. Criadora do Dataísmo. Formada em Marketing e pós-graduanda em Digital Business na USP.

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