Entrevista com Vladimir Barros de Souza sobre cultura, design e UX
Esse é um projeto de entrevistas feitas com profissionais e pesquisadores de comunicação, consumo e dados. São sete perguntas para entender temas relevantes e atuais do mercado.
Conheça o entrevistado
Vladimir Barros de Souza é ilustrador, infografista e animador, nascido em Recife-PE. Trabalha atualmente como Designer Digital no CESAR, mas já participou de ações fora do País com a FastDezine (EUA) e ONU (WFP-Itália). Seus projetos levam características regionais da cultura pernambucana e tem no seu currículo prêmios nacionais como o Brasil Design Awards e o Museu da Casa Brasileira, além de reconhecimentos internacionais como o IEEE de jogos digitais e a Láurea do Nobel da Paz. Possui trabalhos de grande repercussão como o Carnavalia e o Pequeno Príncipe em Cordel. Este último foi tema do desfile 2022 da escola de samba Tom Maior (grupo especial de SP), sendo homenageado como destaque da agremiação. Recentemente trabalhou toda a identidade visual do livro Luiz Gonzaga 110 anos do Nascimento, sobre a vida e obra de seu Lua. Com o grande destaque nacional, o projeto foi transformado em exposição pelo Nordeste, tendo as ilustrações do artista espalhadas por todo o ambiente interativo. Participou de diversos congressos de Design Digital dentro e fora do País, sempre levando o Estado de Pernambuco em sua bagagem.
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Alguns projetos: Luiz Gonzaga 110 Anos do Nascimento | Pequeno Príncipe em Cordel | Projeto Taca mais Folia | Projeto Carnavalia | Sertão Profundo | Mundo Medonho
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7 perguntas para Vladimir Barros de Souza
1. Você trabalha com design, ilustração e UX desde 2008. Como você enxerga a evolução da área desde então?
Comecei a trabalhar desde cedo, principalmente em projetos financiados através de editais culturais do governo de Pernambuco. Sempre em paralelo com os meus empregos fixos, o que facilitou desenvolver minhas habilidades artísticas sem ter amarras com relação às entregas de projeto.
Antes eu não via uma conjunção tão integrada das áreas, assim como citadas na pergunta (design, ilustração e UX), hoje enxergo o quanto elas precisam andar juntas para serem atrativas ao usuário num mercado tão disputado e que muda com uma velocidade gigantesca. Isso fez a área evoluir e transformar os profissionais que fazem parte dela, tornando-os mais completos e conectados com a realidade que as tecnologias emergentes oferecem e o que elas vão proporcionar.
2. Você utiliza dados e pesquisas para produzir seus designs e gamificação para marcas?
Muito! Principalmente depois que isso virou uma prática dentro do meu cotidiano na instituição que faço parte acadêmica e profissionalmente: CESAR (Centro de Estudos Avançados do Recife). Essas informações só ajudaram para que eu fosse mais assertivo e objetivo na criação, até porque gosto muito de sempre estar atuando em projetos diferentes dentro da área cultural.
O Data Driven é uma realidade da qual não tem mais volta, e posso dizer sem medo: ainda bem que isso aconteceu. Essas transformações dentro do universo de UX transformam mercados e criam possibilidades muito positivas. A principal, para mim, é ganhar tempo para aproveitar na criação de outras funcionalidades nos projetos, sejam elas artísticas ou tecnológicas.
3. Como você usa suas skills de design, UX e IA para criar seus projetos que têm identidade de estados do nordeste?
Além de já ser um consumidor assíduo da artes e cultura regional, sempre procuro me atualizar com as tecnologias emergentes, para aproveitar ao máximo o que elas podem me servir. O Nordeste tem características muito peculiares por conta da história de sua colonização, carregada de miscigenação e culturas de povos completamente distintos.
Essas pesquisas diante dessas culturas, geralmente tem uma complexidade que precisa ser traduzida para que o usuário possa compreender de forma fluida. Por isso as referências históricas são a base para que as conexões entre assuntos culturais e tecnológicos possam acontecer sem que você pense muito, com a objetividade e a comunicação que as ferramentas do design proporcionam.
Geralmente elenco tudo o que faz referência ao assunto, mas uso o bom senso para que não force uma situação de entendimento obrigatório. No caso de ilustração, tento diversas possibilidades e apresento meus testes ao máximo de pessoas possíveis, sempre com perfis completamente diferentes. Foi assim com O Pequeno Príncipe em Cordel, personagem que fiz 8 vezes até chegar na versão final, analisando tanto sua estética como simbologia.
4. Como foi o seu trabalho de construção do projeto Gonzaga 110 anos do Nascimento?
Contextualizando um pouco antes, comecei minha ligação com o Sertão Pernambucano relativamente tarde, já adulto, com mais de 20 anos. Mas sempre tive um fascínio pelo universo, enxergando isso nas histórias de meus avós e atestadas nas minhas primeiras viagens de divulgação do livro “O Pequeno Príncipe em Cordel”. Então, o projeto “Luiz Gonzaga 110 anos do Nascimento” só ratificou tudo aquilo que trazia o Brasil real aos meus olhos, uma estrada interna para entender a influência do que considero o maior artista brasileiro de todos os tempos: Seu Lua.
Tive essa grandiosa oportunidade através do amigo Paulo Vanderley, escritor, e hoje, o maior colecionador de itens de Luiz Gonzaga do Brasil. Neste projeto pude expor tudo o que podia para apresentar um Sertão moderno, apesar de tantos brasileiros ainda atrelarem a imagem do Sertão como algo arcaico e pobre. Tive no movimento Armorial, com inspirações nos traços de um gênio chamado Espedito Seleiro (mestre dos couros da cidade de Nova Olinda-CE), a felicidade de retratar toda a beleza e vanguarda de uma arte que existe no povo sertanejo. E que sim, ela pode ser apresentada de diversas maneiras para ser apreciada pelos mais diversos públicos, sejam eles aprofundados ou não na história nordestina.
Foi um trabalho de aproximadamente um ano e meio que só vem rendendo frutos, nas mãos diversas esferas. Juntando tecnologias emergentes, como os streamings, para criar um material em que o próprio Luiz Gonzaga pudesse contar sua história, através de relatos buscados na memória do jornalismo radiofônico que perdurou no Brasil entre as décadas de 40 e 80. Além disso, conta com um acervo visual com quase 500 fotos, a grande maioria inéditas, além de jornais e revistas que compunham o universo que contava a vida do seu Luiz. É como um imenso podcast, contado pelo próprio artista, tendo também a participação de 110 artistas das mais diversas áreas entrevistados para falar sobre a influência de do seu Lua em suas carreiras (entre eles Elba Ramalho, Mestre Espedito Seleiro, Lenine, Raimundo Fagner e outros).
5. Para você, quais os principais desafios de criar trabalhos de cultura brasileira, mas aliadas à tecnologia?
Entender intrinsecamente sobre um assunto é algo que cada vez vemos menos hoje em dia, principalmente nessa era das redes sociais com o seu consumo em massa. O imediatismo dos pouquíssimos segundos nas redes sociais vem causando um afastamento sobre assuntos aprofundados. Por isso eu acredito que encontrar uma forma de comunicação com esse público para destravamento desse universo atual, perante esse imediatismo da informação rasa, pode ajudar a termos projetos tecnológicos com mais sentido.
As redes sociais precisam ser um gancho para esse impulsionamento, e quanto mais captamos as pessoas que estão nele, conseguimos ter um público potencial para apreciar as atividades que as emergente tecnologias apresentam. É preciso entender como cada uma delas pode contribuir para criação de ações que, somadas, formam um universo único, sejam em ambientes de podcast, metaverso ou que usem IA na construção de conteúdo aprofundado.
6. Você já ouviu falar do “nordeste futurismo” e do “sertão punk”? O que acha desses movimentos?
Como um apreciador da cultura pop, acredito que toda mescla feita com objetivo de perpetuar a cultura, pode ser benéfica de várias maneiras possíveis. Como designer, acredito que possamos transformar e adaptar para resolver, isso é colocar o Nordeste em um posição de vanguarda, da qual sempre esteve. Sejam nos ideais iluministas ou nas revoluções brasileiras, a nossa região sempre esteve conectada com o futuro, trazendo os anseios das suas gerações. Não faz muito tempo e um certo Chico Science (ou Chico Ciência na definição de Ariano Suassuna) trouxe a ideia de conexão entre as culturas e os tempos recifenses.
Projetos na área de games como o “Sertão Profundo” e o “Mundo Medonho”, só mostram o quanto temos uma riqueza cultural que pode ser contada de uma maneira inclusiva, dando a possibilidade de novos públicos conhecerem e, finalmente, se reconhecerem nessa retomada cultural que a tecnologia pode oferecer. Uma das premissas para que uma tecnologia seja usual é que precisa ser transformadora, e trabalhos que envolvem pilares sociais como a cultura, só tendem a se beneficiar se a curiosidade dos criadores/pesquisadores puderem ter vazão. Sem medo da falha.
Visões de “nordestefuturismo” e de “sertãopunk” precisam e devem ser estimuladas para que as tecnologias possam afunilar com a cultura, trazendo experimentos que apenas o desprendimento do erro pode nos dar. Fico feliz quando vejo alguém que criou novas leituras através de suas raízes, e que isso fez sentido em seu grupo, o que acontece demais nas periferias do Nordeste. Seja no passinho ou na dança contemporânea, no trap ou na filarmônica, no grafite ou no armorial, nas rimas ou na embolada, ainda bem que muda pode ser o vetor da transformação.
Penso que a academia e o mercado sempre deveriam andar juntos. Há algum tempo, antes de retomar meus estudos, sempre ouvia que uma pessoa era definida como de academia ou de mercado (rótulo que senti muito feliz deixar para trás). Na academia aprendemos o estado da arte, o básico para criar soluções reais que vão ajudar o mercado a se retroalimentar dos conceitos acadêmicos.Temos, logicamente, a maior dificuldade de todas: administrar o tempo.
Conciliar as atividades de ambos os lados não é tarefa das mais fáceis, sem contar que nesse meio ainda existe a vida pessoal para dar conta. Acredito que a maior lição que tive é que o cansaço é comum em qualquer cenário, isso é inevitável. Mas, se encontrarmos aquilo que nos causa paixão, equilibramos o cansaço com o prazer de vermos a utilidade do nosso trabalho. É um tipo de endorfina que nos faz enxergar, muitas vezes, a efemeridade da vida, e o quanto precisamos, de alguma forma, aproveitar o tempo em que estamos trabalhando.
A academia sempre me ajudou a entender o que eu quero e saber exatamente os obstáculos pelos quais terei que passar. Só em saber disso, garanto que você terá mais de meio caminho percorrido, com muito menos esforço e com muito mais prazer para testar e aprender.
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