O que é Mundo B.A.N.I., por Jamais Cascio, exemplos do mundo BANI hoje

O que é Mundo B.A.N.I., por Jamais Cascio

O conceito de Mundo B.A.N.I. surgiu por Jamais Cascio, do Institute for The Future (IFTF), de Palo Alto (Califórnia). Em 2018, o pesquisador e futurista descreve o ambiente atual como BANI (Brittle, Anxious, Non-linear and Incomprehensible): Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível. Tentarei destrinchar mais esses conceitos a seguir, com base nas publicações do próprio Jamais Cascio.

Mundo B.A.N.I.: uma realidade cada dia mais caótica

De acordo com Jamais Cascio, o conceito de V.U.C.A. (Volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) para entender o mundo é claro, mas tornou-se parte do passado, pois desde o final dos anos 2010 tornou-se obsoleto e incompleto. Para Cascio, 

Vivemos constantemente em um mundo caracterizado por cada dia mais fragilidade e precisamos rever a visão de V.U.C.A, já que a cada dia existe mais caos e mais estresse, causados pelo excesso de informações e mudanças rápidas.

Descrever a realidade como VUCA ofereceria pouca visão, já que nossa realidade social, política, cultural e tecnológica passou por uma mudança de fase significativa. Seria hora de adotar uma nova abordagem para compreender essa realidade em constante transformação. 

Significado de Mundo B.A.N.I.

B.A.N.I. significa: frágil, ansioso, não linear e incompreensível. 

Nas palavras do próprio autor:

Frágil: Sistemas frágeis são suscetíveis a falhas repentinas e catastróficas. Ao contrário de resilientes, eles são frágeis. Os sistemas frágeis são como o vidro do seu smartphone – podem ser extremamente resistentes, mas quando quebram, não falham graciosamente ou gradualmente; eles simplesmente se quebram e desmoronam incontrolavelmente.

A fragilidade no Mundo BANI aparece em casos como colapsos financeiros imprevisíveis como quebra de bolsas de valores ou uma pandemia como a da Covid-19, que sobrecarregou os hospitais (e eram sistemas aparentemente robustos e confiáveis).

Ansioso: a ansiedade está em alta hoje – assim como sua prima próxima, a depressão. Num mundo ansioso, estamos constantemente no limite, à espera que o próximo sapato caia, ou a próxima má notícia que nos atinja, ou a próxima distopia ficcional que nos seja apresentada não apenas como um caminho possível, mas provável para a humanidade, e com muita credibilidade. Todos os elementos do enquadramento VUCA também geram ansiedade, por isso o resultado não é particularmente surpreendente.

Um exemplo da questão da saúde mental vem dos dados da Organização Mundial de Saúde (OMS): o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população. De acordo com o portal Saúde.GOV, “há também um enorme alerta sobre a saúde mental dos brasileiros, já que uma em cada quatro pessoas no país sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida” (abril/2023).

Não-linear: Num mundo não linear, causa e efeito são aparentemente desconectados ou desproporcionais. Talvez outros sistemas interfiram ou obscureçam, ou talvez haja histerese oculta, enormes atrasos entre a causa visível e o efeito visível. Num mundo não linear, os resultados das ações tomadas, ou não, podem acabar por ficar totalmente desequilibrados. Pequenas decisões acabam com consequências enormes, boas ou más. Ou desenvolvemos enormes esforços, empurrando e empurrando, mas com pouco a ver.

A não-lineariedade pode aparecer nas redes sociais, quando uma única postagem viral pode ter impactos enormes, bons ou ruins, e causar mudanças significativas no comportamento do público, destacando a desconexão aparente entre ações individuais e seus resultados.

Incompreensível: Não só, como disse Arthur C Clarke, qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia, mas as coisas do dia a dia são agora incompreensíveis. Estar vivo no século XXI é depender de inúmeros sistemas complexos e incompreensíveis que afetam profundamente as nossas vidas. Como Quinn Norton apontou, mesmo “uma área de trabalho comum do Windows é tão complexa que ninguém na Terra sabe realmente o que tudo isso está fazendo, ou como” – muito menos uma vasta rede de tais computadores ou mais sistemas complicados.

A incompreensibilidade do mundo BANI pode acontecer na inteligência artificial, onde algoritmos complexos tomam decisões que podem ser difíceis de entender, como sistemas de aprendizado profundo que criam suas próprias regras, tornando difíceis de entender as razões por trás de suas escolhas (por falta de regras claras). Isso não quer dizer que sistemas de IA não são utilizados, mas sim que nem sempre são compreendidos.

Cascio refere-se à famosa frase “Qualquer tecnologia avançada parece mágica” é de Arthur C. Clarke, um renomado escritor de ficção científica, autor de “2001: Uma Odisséia no Espaço”. Ela nos lembra que, para muitos, tecnologias complexas podem parecer mágicas devido à falta de compreensão.

Clarke, era cientista e pesquisador e também considerado um visionário, pois previu muitos avanços tecnológicos. A frase sobre a mágica da tecnologia faz parte das chamadas “Três Leis de Clarke”. As “Leis de Clarke” são três formulações que exploram a relação entre a humanidade e a tecnologia.

As Três Leis de Clarke

A primeira Lei de Clarke é “Quando um cientista distinto e experiente diz que algo é possível, é quase certeza que tem razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente errado”: destaca que quando um cientista experiente afirma que algo é possível, é provável que esteja correto, enquanto a declaração de que algo é impossível muitas vezes se mostra equivocada.

A segunda Lei de Clarke é: “O único caminho para desvendar os limites do possível é aventurar-se um pouco além dele, adentrando o impossível”. Incentiva a exploração para desvendar os limites do possível, adentrando o território do impossível.

A terceira Lei de Clarke, citada por Jamais Cascio, é: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.” Talvez a mais conhecida, afirma que tecnologias avançadas podem parecer mágica para aqueles que não compreendem seu funcionamento, enfatizando a ideia de que o desconhecido pode parecer extraordinário. Essas leis refletem a visão de Clarke sobre o potencial humano e a evolução da tecnologia.

Em outras palavras, mundo BANI representa uma realidade caracterizada por sistemas frágeis e suscetíveis a falhas, uma constante ansiedade devido à incerteza, uma relação não-linear entre ações e consequências, e uma crescente incompreensibilidade de sistemas e tecnologia que afetam nossas vidas. É um novo paradigma que desafia a forma como entendemos e navegamos no mundo contemporâneo.

Mais sobre Jamais Cascio

Jamais Cascio, reconhecido como um dos 100 melhores pensadores globais pela Foreign Policy, concentra-se na interseção de tecnologias emergentes, questões ambientais e mudanças culturais. Especializado na criação de cenários futuros plausíveis, ele enfatiza o pensamento sistêmico de longo prazo, promovendo abertura, transparência e flexibilidade para construir sociedades resilientes. Cascio é o criador do modelo “BANI”, amplamente adotado para lidar com cenários caóticos. Em 2017, recebeu um doutorado honorário da University of Advancing Technology. Autor de “Hacking the Earth”, sua expertise o levou a apresentar na Academia Nacional de Ciências de Washington, DC. Recentemente, em março de 2022, lançou o “Age of BANI” como foco principal de seu trabalho nesse modelo.

Veja outros conceitos no especial Conceitos de Marketing e Dados. Categoria dedicada a entender termos ligados aos dados, tendências, comunicação e consumo.

Entrevista com Márcia Mesquita sobre o mercado de maquiagem e influenciadoras

Esse é um projeto de entrevistas feitas com profissionais e pesquisadores de comunicação, consumo e dados. São sete perguntas para entender temas relevantes e atuais do mercado.

Conheça a entrevistada

Márcia Mesquita é doutora e mestre em Antropologia (UFF), com pós em Moda e Criação (Faculdade Santa Marcelina) e graduação em Comunicação (PUC-Rio). É professora de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Design, Moda e Comunicação e pesquisadora membro do Núcleo de Estudos da Modernidade (Nemo-UFF). Tem mais de 10 anos de experiência como pesquisadora, com foco em comportamento de consumo, tendências e uso de plataformas digitais. Também possui vasta experiência na área de Comunicação, como jornalista, produtora de moda, assessora de imprensa e analista de comunicação, atendendo clientes dos setores varejista, moda, construção civil e eventos.

Acompanhe Márcia nas redes: Linkedin | Lattes | E-mail

***

7 perguntas para Márcia Mesquita

1. Em meio a tantos creators e influencers no mercado de beleza, quais são as principais tendências e novos comportamentos que você destacaria nos últimos anos (e que mudaram o “jogo”)?

Venho observando há alguns anos uma polarização (que a gente vê em outros campos da vida) no mercado de beleza.

Por um lado, um grupo que se interessa por produtos mais naturais, ecologicamente mais conscientes, procurando reduzir o consumo. E, por outro lado, um hiperconsumo e o costume de possuir e usar (são coisas diferentes) muitos produtos.

Hábitos que são muito propagados em tipos de vídeos como “get ready with me”, “minha rotina de produtos”, tour pelo armário, pelas gavetas, etc. Mas ainda percebo que as pessoas com consumo mais ecológico são minoria – mas pessoalmente espero que o hiperconsumo “saia de moda”.

Outra polarização que já aparece há alguns anos é, em relação às estéticas: uma busca por maquiagens com aparências mais “naturais” ou invisível e, por outro lado, a outra estética é propositalmente artificial (cílios imensos, unhas imensas, etc). O mercado tenta categorizar por geração e acaba escapando esses detalhes, como dizer que a geração z é mais consciente ecologicamente. Mas é uma generalização, depende de contextos de classe, idade, gênero, local, entre outros fatores. E essas polaridades coexistem.

2. Como você vê a maturidade das influenciadoras e das consumidoras especialistas hoje? Estamos caminhando para ter ainda mais especialização, ou o caminho não é esse?

Algumas consumidoras especialistas do passado se tornaram as grandes influenciadoras de hoje.

Mas são grupos diferentes, nem toda consumidora que conhece muito os produtos que gosta vai se tornar influenciadora profissional. Enfim, dito isto, quanto mais as pessoas têm acesso a produtos e a informações sobre eles, mais os consumidores vão ficando exigentes. Tanto as marcas quanto os produtores de conteúdo precisam ficar atentos a isso.

O tipo de consumidora de maquiagem que pesquisei não é facilmente “convencida” por qualquer hype. Na época que fiz a pesquisa, não havia ainda TikTok, mas já existiam as “febres” da época. Esses produtos que viralizam até podem despertar uma curiosidade momentânea. Para o tipo de consumidora que pesquisei, existe uma fidelidade relativa para produtos que elas consideram mais importantes, que são os de pele. Elas até testam novidades, mas quando encontram os produtos que gostam, costumam ser fiéis. Já os produtos mais “fantasia”, como batom, lápis, sombra, etc; as pessoas se deixam levar mais por modismos, mas também têm produtos fiéis, como o batom preferido que sempre recompra.

Por fim, uma coisa curiosa que o TikTok trouxe é uma facilidade de gerar virais requentados, que são técnicas de maquiagem muito antigas que influenciadores postam com nomes diferentes, como se fosse uma nova moda.

E em seguida marcas lançam produtos usados nessas “novas técnicas”. Ou seja, é uma estratégia de marketing que as pessoas acham que é espontânea. Funciona bem com as pessoas mais novas (aí sim, gen z (geração Z) mas não pela geração, mas pela idade mesmo) porque boa parte delas não tem repertório ainda para identificar técnicas mais do que batidas.

3. O seu doutorado é uma “Etnografia sobre consumidoras de maquiagem brasileiras, trazendo reflexões sobre consumidores especialistas, conteúdos de plataformas digitais, sociabilidades, relações de gênero e discussões sobre o impacto de novas tecnologias nos padrões de beleza”.

Quais os principais aprendizados que você teve com esse trabalho?

Acredito que o maior aprendizado é o que a Antropologia me ensinou: que a forma como compreendemos o mundo e classificamos as coisas não está dada. Que devemos estranhar aquilo que nos é corriqueiro, desnaturalizar nossa visão de mundo para poder compreender de fato o outro. Em outras palavras: o que eu acho de uma coisa não é o mesmo para os outros. Alguém pode ler isso pensar: “mas é óbvio!”, mas na prática acabamos esquecendo desse “óbvio”, principalmente em pesquisas sobre consumo e de usuários.

No meu campo, por exemplo, muito se falava de “maquiagem natural”, por exemplo. Mas o que é esse “natural”? Para aquela consumidora que falei antes, que gosta de uma estética mais discreta, “natural” significa um tipo de produto, técnica, etc. E para a que gosta de maquiagem mais aparente, significa outros tipos de produtos, texturas, etc.

Sobre os meus resultados da pesquisa, acabei abrindo vários caminhos para entender o fenômeno do consumo de maquiagem e foi um desafio até mesmo para recortar e focar.

Mas acho que uma das coisas mais interessantes é a importância do rosto para a sociedade contemporânea e a percepção que temos dele, que é impactada pela produção e reprodução de imagens que circulam dentro e fora da Internet.

4. Em seu Linkedin, você comentou sobre “o costume do mercado tem sido dividir os consumidores só pela categoria da geração, o que acaba generalizando alguns comportamentos”.  Pode contar mais a sua visão mais sobre o assunto?

Eu sempre fico meio incomodada com essas classificações de comportamentos por gerações porque costumam ser grandes generalizações. Só a geração não é suficiente pra explicar comportamentos. Ela vai influenciar em alguns pontos, mas vai ter muitas diferenças também.

E então as empresas divulgam “tendências” baseadas em generalizações, que podem gerar investimentos em caminhos errados. Digo isso não apenas porque fui “mordida” pelo bichinho das ciências sociais, mas porque eu tenho contato direto com a tal “genZ”. Sou professora universitária e todo semestre convivo com mais de 100 alunos.

Existem várias características que vão influenciar o consumo como classe social, religião, raça, gênero, o que pode tornar um grupo de pessoas da mesma faixa etária muito diferentes.

5. Existem algumas marcas e influenciadores criando sem filtros, ou trends que retiram os filtros das publicações. Qual sua opinião sobre esse movimento ligado à maquiagem?

Acredito que essa questão de abolir a mediação do filtro na construção da imagem é um amadurecimento no uso de tecnologias, no sentido de que as pessoas começaram a se dar conta que o uso deles pode não ser meramente recreativo e ter impacto na percepção que temos do nosso próprio rosto.

Mas também precisamos seguir nesse caminho reflexivo lembrando que qualquer imagem vai ter uma mediação tecnológica e do olhar de quem a produz porque ela não é a coisa em si, por mais realista que seja.

Ao mesmo tempo, o artificial não é errado e o “natural” o certo, se não fica um discurso moralista.

Tem gente que faz um rosto artificial de propósito, como uma experimentação, uma expressão artística.

6. Você também tem acompanhado o fenômeno da desinfluência? Pessoas que “des-recomendam” produtos e artigos, especialmente no TikTok? Como vê isso?

Esse é mais um caso de “naming” (criação de nomes) do TikTok que mencionei lá em cima porque isso sempre existiu desde que a internet doméstica chegou. Desde o início, a Internet é um lugar onde pessoas que gostam muito de um tipo de produto se reúnem para debater sobre ele e trocar impressões.

Como era algo amador, feito por pessoas comuns, existiam resenhas positivas e negativas.

E assim foi, inclusive com vídeos de youtubers não gostando de algum produto, etc. Mas no TikTok existe esse costume de fazer um “rebranding” que já existem e o público majoritariamente jovem, sem muitas referências, transforma isso numa tendência.

Pior ainda quando empresas de pesquisa de tendência tratam delas como tal e não analisam pelo o que são.

7. Que marcas de beleza/maquiagem e criadoras de conteúdo têm chamado a sua atenção hoje em dia? (novembro/2023)

Vou focar em Brasil porque é onde costumo olhar mais.

Ao contrário do mercado internacional, as linhas de maquiagem de blogueiras aqui (no Brasil) fazem muito sucesso. Bruna Tavares, como sempre, com volume alto de lançamentos e de olho em inovações de fora. Mari Maria também tem produtos interessantes. A volta da Contém 1g também traz produtos interessantes e repagina clássicos da marca antiga. Marcas com proposta mais natural, como a Care Beauty e Simple Organic (que têm mais skincare que maquiagem). A Bauny é uma marca mais popular e barata que foi lançada recentemente, bastante falada por influencers.

Criadoras de conteúdo eu costumo olhar mais para as pequenas e médias.

Tem uma relativamente nova, a Hellen Shawanny , que vem crescendo bastante, participando de eventos. A Jessica Freitas do Coisas de Jessica, que tem anos de estrada e também é digamos “média”. Gosto de ver esse tipo de influenciadora porque tem o conteúdo mais orgânico ainda, apesar dos publis.

Para continuar a conversa

Acompanhe as redes e produções de Márcia Mesquita

Acompanhe Márcia nas redes: Linkedin | Lattes | E-mail

***

Para ver mais entrevistas feitas aqui no Dataísmo, acesse o espaço do Dataísmo Vozes.

Sair da versão mobile