Entrevista com Carlos Augusto sobre Twitch, streaming e a comunidade

Entrevista com Carlos Wolff sobre Twitch, streaming e a comunidade

Esse é um projeto de entrevistas feitas com profissionais e pesquisadores de comunicação, consumo e dados. São sete perguntas para entender temas relevantes e atuais do mercado.

Conheça o entrevistado

Carlos Augusto trabalha na indústria de tecnologia da informação há 15 anos, é entusiasta da Internet, videogames, gastronomia e música, e agora também é bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente reside em Porto Alegre, também no Rio Grande do Sul. Atuando em tecnologia, atualmente é  PreSales (pré-vendas) e as certificações são pela Hewlett Packard Enterprise (HPE)

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7 perguntas para Carlos Augusto

 

1. Como você avalia a importância da Twitch hoje?

Acho que a Twitch já foi um player importante no livestreaming. Hoje, para o público geral, ela continua “nichada” dentro do segmento de videogames, apesar das tentativas recentes de diversificar os tipos de lives que se encontram na plataforma.

Durante a pesquisa foi possível verificar que, apesar do aumento no número de lives de outros tipos (como “IRL” e “Só Na Conversa”, Reacts, Música) a maioria ainda é de videogames, e provavelmente continuará sendo, pela forma como a própria Twitch é estruturada.

Na internet ocidental ela continua sendo a plataforma referência para lives nesse meio, apesar de que, pessoalmente, vejo que o YouTube e TikTok estão buscando com força o público que curte esse conteúdo da Twitch. Eu acho que essas duas plataformas têm feito seu dever de casa nesse nicho, sendo cada vez mais relevantes e, principalmente, monetizáveis. A Twitch tem pelo menos dois concorrentes sérios com quem deve se preocupar a curto prazo, para garantir sua existência a longo prazo, mas continua sendo a melhor plataforma de lives de videogames e com a melhor experiência social dentre elas.

2. Quais seus principais aprendizados na pesquisa?

Que os consumidores desse tipo de conteúdo prezam muito por essa experiência social com os streamers e as comunidades que os cercam. As pessoas chegam nos canais pelos criadores de conteúdo ou por interesse em algum jogo, mas ficam pela comunidade e pelos laços afetivos que ali formam.

Além disso, eu fiquei surpreso com a preocupação dos usuários em ter uma moderação ativa nos canais, o que sinaliza que estes consumidores buscam, na internet, experiências dentro de um ambiente que consideram seguro, que tenha regras claras e uma moderação ativa.

Ficou muito claro que, para um canal “dar certo” na Twitch, é fundamental a combinação, em doses iguais, de carisma do streamer e sua capacidade de fomentar e construir uma comunidade positiva ao redor do canal. É principalmente isso que cria, nos usuários, um sentimento de pertencimento a uma ou mais comunidades, e que os motiva a realizar o apoio financeiro, ajudando a manter os canais que assistem, gostam e as experiências sociais que compartilham.

 3. Quais seus principais desafios em pesquisar a Twitch no período?

Acho que o principal desafio foi chegar nos usuários e convencê-los a preencher o questionário, que foi bem extenso. Felizmente, e sou muito grato por isso, vários streamers, conhecidos e desconhecidos meus, me ajudaram a divulgar a pesquisa em suas lives, o que de fato tornou o meu TCC viável. Por outro lado, tive algumas questões com a própria plataforma, que, após eu passar algum tempo divulgando a pesquisa, diretamente a usuários, cortou meu acesso a DMs e chats dos canais.

 Após poucas horas minhas mensagens foram automaticamente flagradas como spam pela Twitch, e ninguém mais as recebia. Mesmo entrando em contato com a Twitch e explicando a pesquisa, seu teor, não teve conversa – o que sinceramente já esperava. As sanções foram tecnicamente justas. De qualquer forma eu consegui dar meu jeito e digamos que, nesse processo, eu fiquei positivamente impressionado com a capacidade da Twitch em lidar com spam, quando há o interesse.

4. Como você realizou a pesquisa para o seu trabalho?

Primeiro que também sou usuário de Twitch, mas no meu caso eu não assisto a muitos canais focados em videogames, pessoalmente eu prefiro jogar. Por assistir mais a lives de Reacts e Música e não entender muito a razão de alguém querer assistir a outra pessoa jogando, resolvi explorar isso. 

Enquanto estudava a base teórica necessária dos estudos de Marketing sobre Comportamento do Consumidor, e o que já foi produzido sobre consumo de lives e Twitch, os meus objetivos foram se cristalizando e acabei por focar na descoberta das preferências e motivos de consumo desses usuários brasileiros da Twitch – foi aí que tinha certeza que esse seria o meu TCC. 

Após muitas reuniões de orientação e muito levantamento sobre o que já havia sido pesquisado sobre o tema, realizei 8 entrevistas em profundidade com pessoas conhecidas e desconhecidas, que foram necessárias para entender com um pouco mais em detalhes esse consumidor de lives de games na Twitch. 

A partir dessas entrevistas consegui montar o formulário para a fase quantitativa, e foi uma semana bem intensa de divulgação em diversos canais diferentes da Twitch e diretamente para os usuários, pedindo para as pessoas participarem. No fim consegui 218 respostas de usuários da Twitch, que, apesar de não me permitir generalizar os resultados de forma absoluta para toda a população de usuários brasileiros da Twitch, servem como uma exploração inicial desse público, que até então não havia sido estudado por aqui. Tanto é, que estou em vias de produzir um artigo a partir desta pesquisa.

5. Twitch ainda é considerada, por alguns, como uma plataforma relativamente nova. Em primeiro lugar, isso é verdade?

Definitivamente não é verdade, a Twitch existe há mais de 10 anos. A Justin.tv, que a Amazon comprou após entender o potencial deste mercado, foi criada em 2007, e não tinha foco em games. O que aconteceu foi a conjunção de estar na hora certa no lugar certo. 

O público gamer, que é acostumado com a utilização de novas tecnologias, logo viu o valor da transmissão de gameplays, e streamers e suas comunidades começaram a surgir em torno desse tipo de live. A Justin.tv logo se viu com um público enorme de lives de videogames e lançou a Twitch.tv, como uma espécie de “emancipação” deste público gamer de sua plataforma; depois a Amazon comprou tudo, descontinuou a Justin.tv e consolidou todo esse serviço de livestreaming na Twitch. 

Nessa história toda vão 16 anos, e a aquisição pela Amazon foi há 9 anos. Hoje o panorama é outro, todas as redes sociais criaram para si os seus tipos e formatos de lives, que muitas vezes não competem diretamente com a Twitch por serem experiências diferentes.

No Brasil não tem muita produção acadêmica sobre a Twitch, creio que por ser menos relevante no nosso contexto cultural e econômico, que outras redes como Facebook, Instagram e TikTok – que já tem a seu respeito um corpo acadêmico maior. A maioria dos trabalhos nacionais que encontrei são da área de estudos da Comunicação.

Durante minha pesquisa, eu encontrei muito material estrangeiro, principalmente da China, Europa e EUA (não coincidentemente os três maiores produtores de ciência do mundo hoje). 

Lá fora é produzida muita pesquisa acadêmica sobre diversos aspectos diferentes desse tipo de conteúdo (livestream), em todas as áreas. Esses trabalhos ajudaram a balizar por qual caminho eu poderia seguir dentro do nosso contexto. Justamente essa falta de produção acadêmica nacional, especificamente sobre Twitch e seu mercado, que me motivou a realizar esse trabalho como conclusão de curso.

6. Já ouvi pessoas dizendo que Twitch é mais para gamers. O que você diria dessa “verdade”?

É verdade, e eu diria que continua sendo, infelizmente, por escolhas que a própria plataforma faz. Ela prioriza os maiores streamers sempre, e estes são em sua maioria, historicamente, canais de videogames. Também acredito que por ser muito anglocêntrica (com foco no público dos países que têm inglês como idioma) esse aspecto é exacerbado, porque lá fora é mais forte essa cultura de videogame e os streamers são gigantes.

Aqui no Brasil, e na América Latina no geral, é uma subcultura ainda em formação, principalmente por conta de ser um hobby caro, de luxo, quando se quer jogar os lançamentos; um trabalhador brasileiro precisa dedicar muito mais horas de serviço que um trabalhador estadunidense ou europeu para adquirir um jogo.

Isso cria uma barreira de entrada pros consumidores em razão da limitação de renda do consumidor, que logicamente prioriza a compra de itens essenciais – videogame certamente não é um desses itens. Essa disparidade, histórica e estrutural, de acesso a novas tecnologias em diferentes sociedades contribui para a formação deste senso comum, na minha opinião.

Porém, creio que há espaço até mesmo dentro da Twitch para a promoção e crescimento de canais dos mais diversos tipos de conteúdo, com novos e diferentes streamers, que é evidenciado pela ascensão das lives de React e Música nesse mesmo ambiente. No caso da Twitch, no fim do dia as pessoas buscam a experiência social que está atrelada a um ou outro canal, mais do que um tipo de conteúdo, e acho que depende da Companhia aproveitar essa realidade para potencializar o que é possível e abandonar o que não dá mais resultado. Afinal, a concorrência está fazendo o “dever de casa”.

7. Que pontos você acha que a Twitch ainda pode desenvolver e aprender no futuro?

Primeiro que gostaria de deixar claro que são minhas opiniões, e não algum tipo de verdade absoluta. Uma coisa é usar a plataforma enquanto consumidor e ter opiniões, ser pesquisador da plataforma e seu público, outra é ser streamer, e outra é fazer parte da equipe que faz a engrenagem girar dentro da empresa.

Acho que a Twitch poderia depender menos das suas grandes personalidades e investir mais no fomento de comunidades menores, em maior quantidade.

Acho que a plataforma se distancia do público geral e acaba por criar barreiras de consumo ao referenciar a si mesma em seu material e eventos públicos, que cria essa sensação de encastelamento: quem chega de fora não entende de primeira o que tá acontecendo.

Talvez a chave para a massificação resida na quebra da percepção geral de que é uma plataforma só para gamers, e isso passa por abraçar novos conteúdos, novas personalidades, novas formas de comunicação e distribuição de conteúdo e diferentes relações de trabalho, que enquanto consumidor não vejo a Twitch fazendo hoje.

Outra questão que acaba desgastando essa relação de streamers e usuários com a plataforma são as constantes mudanças em suas políticas de monetização, que também acabam por afastar novos produtores de conteúdo. Se a Twitch não conseguir provar sua viabilidade econômica para os streamers, que estão de fato gerando valor para a plataforma todo dia, criando conteúdo e atraindo novos usuários, ela será substituída e a longo prazo provavelmente deixará de existir.

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Profissional de Digital Business e Business Intelligence, com foco em Consumer Insights, Trends e Cultural Research. Pesquisa e trabalha criando estratégias baseadas em dados online e offline. Criadora do Dataísmo. Formada em Marketing e pós-graduanda em Digital Business na USP.

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